segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Recuo ao passado

Não compreendo a moléstia, o ressabiamento e o ódio de morte que certas pessoas sentem em relação a Mário Soares.
Seja pelo processo de descolonização, seja pela sua alegada relação com Angola, a qual, segundo uns quantos, permanece envolta num grande mistério, seja pelas atoardas que, de vez em quando, lança para a praça pública, a verdade é que são muitos aqueles para quem a figura de Mário Soares é sinónimo de “traição”.
Pessoalmente, não acho.
Apesar de concordar que Mário Soares não é uma pessoa impoluta nem imune a críticas (mas, quem será?), reconheço nele um homem que lutou para que Portugal fosse um país livre e democrático, respeitador dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e mais próspero do que aquilo que foi ao tempo da asquerosa ditadura do Estado Novo, imposta por essa figura dúbia que deu pelo nome de Oliveira Salazar.
  
Assinatura do Tratado de Adesão à CEE
Mosteiro dos Jerónimos, 12-06-1985
Foi ainda graças a Mário Soares que o nosso país, para o bem ou para o mal (eu sou daqueles que pensa que foi para o bem), passou a pertencer à então denominada Comunidade Económica Europeia (CEE) e se tornou naquilo que é hoje (e não pensemos em crises, em políticos corruptos… porque isso são contas de outro rosário).
Para os que falam de boca cheia, para os que têm memória curta e para aqueles que, pela sua “tenra idade”, pensam que a sua liberdade é um direito perene, que nunca foi posto em causa e que dão por adquirida a democracia de que hoje desfrutam, deixo aqui a certeza de que se não fosse também a tenacidade e a acção política de Mário Soares (entre outros, obviamente), hoje certamente não se orgulhariam de ser portugueses.
Mário Soares pode até estar “gagá”, pode inclusivamente ser inoportuno aquando das suas investidas contra o “establishment” e o poder instituído, mas não nos esqueçamos de fazer este simples raciocínio comparativo: ao analisarmos o Portugal de hoje e o Portugal, por exemplo, dos anos setenta e oitenta do Século XX, ninguém encontra diferenças?
Entre vivermos integrados numa união de estados europeus, apesar de tudo livres e democráticos, e sermos um estado retrógrado e pretensamente imperialista, eu continuo a preferir a primeira hipótese.
E se me perguntarem quais são os políticos que mais marcaram – cada um à sua maneira – a vida democrática do nosso país, não me repugna e não hesito sequer um segundo em nomear três: Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e, claro está, Mário Soares.
Seja qual for a perspectiva em que nos centremos, ele continua a ser um dos “pais fundadores” da nossa democracia, tal como hoje a conhecemos.
Este é um facto incontornável da nossa história, facto que todos temos o dever de respeitar e do qual nos devíamos sentir tremendamente orgulhosos.
Mas, o mais curioso ainda é o contra-senso que impende sobre todos aqueles que regurgitam a sua raiva em cima de Mário Soares, é vermos que a liberdade que eles hoje têm para o criticar advém precisamente da contribuição que o próprio deu para o fim da ditadura e do fascismo que “amordaçou” Portugal por quase cinquenta anos.
Escamotear ou ignorar este facto, é não sabermos compreender a história política do país em que vivemos. E isso é motivo bastante para nos fazer pensar e nos deixar apreensivos quanto àquilo que nos caracteriza enquanto povo.

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