sexta-feira, outubro 26, 2012

Tony Judt - Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos

Tony Judt (1948-2010) fez os seus estudos do ensino superior no King's College, em Cambridge, e na École Normale Supérieure, em Paris. Foi professor de História nas universidades de Cambridge, Oxford, Berkeley e na Universidade de Nova Iorque, onde fundou o Remarque Institute, em 1995, e leccionou Estudos Europeus. Durante anos contribuiu com artigos e ensaios para várias publicações, como a New York Review of Books, o Times Literary Supplement, The New Republic, entre outras.

Para além deste Um Tratados Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, Tony Judt escreveu O Século XX Esquecido-Lugares e Memórias (Edições 70, 2008) e Pós-Guerra-História da Europa desde 1945 (Edições 70, 2006), a sua obra mais conhecida e com a qual foi finalista do Prémio Pulitzer em 2005 e galardoado em 2008 com o Prémio do Livro Europeu. Em 2007, Tony Judt recebeu o Prémio Hannah Arendt e em 2009 viria a ser galardoado com uma menção especial do Prémio Orwell.

Este livro, que pode ser adquirido aqui, é uma preciosidade da historiografia contemporânea, à qual não podemos ficar indiferentes. Um dos temas que o autor aborda no livro, sob o título O Culto do privado, não podia ser mais actual, pelo que aqui ficam algumas passagens do texto para servir de aperitivo a esta grandiosa leitura que desde já recomendamos aos nossos leitores:

"Com o advento do Estado moderno (especialmente durante o século passado), os transportes, hospitais, escolas, correios, exércitos, prisões, forças policiais e acesso barato à cultura - serviços essenciais que não ficam bem servidos pelo funcionamento do móbil do lucro - foram postos sob regulação ou controlo públicos. Estão agora a ser reentregues a empreendedores privados.
O que temos estado a assistir é á firme deslocação da responsabilidade pública para o sector privado sem vantagem colectiva discernível. Contrariamente à teoria económica e ao mito popular, a privatização é «ineficiente». A maioria das coisas que os governos julgaram apropriadas para passar para o sector privado estava a funcionar com prejuízo: fossem companhias de caminhos-de-ferro, minas de carvão, serviços postais ou empresas de energia, o custo de fornecê-las e mantê-las é maior do que as receitas que alguma vez se esperasse obter.
Precisamente por essa razão, esses bens públicos não eram em si mesmos apelativos para compradores privados, a amenos que oferecidos com um desconto acentuado. Mas quando o estado vende barato, o público fica a perder. Calculou-se que durante as privatizações britânicas da era Thatcher, o preço deliberadamente baixo com que bens de há muito propriedade pública foram transaccionados no sector privado resultou numa transferência líquida de 14 mil milhões de libras dos contribuintes para accionistas e outros investidores. A esse prejuízo devem ser acrescentados mais 3 mil milhões de libras em comissões para os banqueiros que negociaram as privatizações. Portanto, o Estado pagou ao sector privado 17 mil milhões de libras [...] para facilitar a venda de activos que de outra maneira não teriam tido compradores. [...] Dificilmente se pode interpretar isto como utilização eficaz dos recursos públicos.
O melhor estudo das privatizações no Reino Unido conclui que a privatização »per se» teve um efeito dificilmente modesto no crescimento económico a longo prazo - ao mesmo tempo que distribuiu regressivamente a riqueza dos contribuintes para os accionistas de companhias acabadas de privatizar. A única razão por que os investidores privados desejam adquirir bens públicos aparentemente ineficientes é porque o estado elimina ou reduz a sua exposição ao risco. No caso do Metro de Londres, por exemplo, foi accionada uma «Parceria Público-Privada» (PPP) para convidar investidores interessados a comprar partes da rede do metro. As empresas adquirentes receberam a garantia de que, acontecesse o que acontecesse, ficariam protegidas de prejuízos graves - minando assim o argumento económico em favor da privatização: o funcionamento do móbil do lucro. Nessas condições priveligiadas, o sector privado revelar-se-ia no mínimo tão ineficiente como o seu homólogo público - rapando os lucros e cobrando os prejuízos ao Estado. O resultado foi o pior tipo de «economia mista»: empreendimentos individuais indefinidamente subscritos por fundos públicos [...]. 
[Friedrich Hayek], na sua insistência para que as indústrias monopolistas (incluindo caminhos-de-ferro e fornecedores de água e electricidade) fossem deixadas em mãos privadas, ele esqueceu-se de prever as implicações: dado que nunca seria permitido a esses serviços nacionais vitais desintegrar-se, os privados poderiam correr riscos, desbaratar recursos ou apropriar-se indevidamente desles à vontade, sabendo que o governo pagaria a conta [...]".
E, para terminar, deixamos uma passagem da Introdução do livro:
"A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana. Muito do que hoje parece «natural» remonta ao anos 80: a obsessão pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem junto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado. Não podemos continuar a viver assim. O pequeno «crash» de 2008 foi um aviso de que o capitalismo não-regulado é o pior inimigo de si mesmo: mais cedo ou mais tarde há-de ser vítima dos seus próprios excesso e para salvar-se recorrerá novamente ao Estado. Mas se nos limitarmos a apanhar os bocados e continuar como dantes, podemos esperar convulsões maiores nos próximos anos. E, porém, parecemos incapazes de conceber alternativas. Também isso é novo".

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