sexta-feira, janeiro 29, 2021

Movimentos Independentes: os parentes pobres da democracia


Costumo dizer que os movimentos independentes (ou grupos de cidadãos eleitores) são os parentes pobres da democracia. Isto porque não têm os mesmos direitos que os partidos políticos, embora a Constituição da República Portuguesa lhes reconheça a possibilidade de apresentarem candidaturas aos órgãos das autarquias locais, realidade que, pese embora importante, está ainda aquém daquilo que, a mesma Constituição, reconhece aos partidos políticos. Por exemplo, os movimentos independentes não podem apresentar candidaturas à Assembleia da República, o que já de si constitui uma enorme diferença em relação aos partidos do chamado “sistema”.

Como se isto não bastasse, as clivagens são ainda maiores do ponto de vista da organização das próprias candidaturas, com a lei a exigir aos movimentos independentes a necessidade de recolherem assinaturas sempre que apresentam uma candidatura autárquica. Assim, enquanto os partidos só o fazem uma única vez, aquando da entrega do processo para a sua legalização junto do Tribunal Constitucional, os movimentos independentes, por seu lado, têm que o fazer obrigatoriamente sempre que há eleições, ou seja, de quatro em quatro anos lá recomeça outra vez o longo calvário.

Mas as diferenças não se ficam por aqui. Quem nos dera que assim fosse. A realidade é outra, e muito mais penosa. De facto, em Agosto passado, o chamado “bloco central” (PS e PSD), cozinharam uma lei (da iniciativa do PSD, concertada com o PS e com a anuência de todos os partidos com assento parlamentar, à excepção do PCP que se absteve na votação), promoveu uma alteração à lei eleitoral das autarquias locais – sob o alto patrocínio do Presidente da República –, um processo que decorreu à socapa enquanto o país estava de férias e mais preocupado com a pandemia, cujas alterações vieram cavar ainda mais as diferenças entre os partidos e movimentos de cidadãos.

Estas novas alterações vieram fragmentar ainda mais os movimentos independentes, ao ponto de um mesmo grupo de cidadãos eleitores, com candidaturas a todos os órgãos autárquicos do concelho (câmara, assembleia municipal e assembleias de freguesia), como é o caso do MOVE, estar agora impedido de se candidatar às treze assembleias de freguesia sob a mesma denominação, sigla e símbolo, tendo agora a obrigação de se partir em treze novos movimentos independentes para poder concorrer nas freguesias. Ora, se isto não é querer deliberadamente retalhar os movimentos independentes, partindo-os aos bocadinhos e causar ainda mais confusão nas pessoas, então não sei o que lhe devo chamar…

Mais: o tribunal competente para a recepção dos processos de candidatura, onde se incluem, entre outros documentos, as folhas de assinaturas, e graças à alteração feita em Agosto passado, tem agora a obrigação de promover sempre a verificação, pelo menos por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação das pessoas que assinaram. Significa isto que, por exemplo no caso da Freguesia de Alburitel, onde é necessário recolher 50 assinaturas para que um movimento possa apresentar uma candidatura, se o juiz tiver acordado maldisposto, pode, no limite, pedir que as 50 assinaturas sejam reconhecidas notarialmente, com os encargos que esse reconhecimento acarreta e num espaço de tempo de apenas dois dias úteis! Repliquemos esta obrigatoriedade nos quinze órgãos autárquicos do concelho (em que só para a câmara e assembleia municipal são necessárias cerca de 1300 assinaturas, sendo que no limite terão de ser todas reconhecidas) e já temos a noção da enormidade desta injustiça e, mais do que isso, da desigualdade entre partidos e movimentos de cidadãos. Isto para já não falar da flagrante inconstitucionalidade de que enferma esta lei aberrante.

Para o quadro negro ficar ainda mais completo, há ainda que destacar o tratamento desigual com que a lei favorece os partidos políticos em detrimento dos movimentos independentes. Eis alguns exemplos desta dualidade de critérios:

- Os partidos não estão sujeitos a IRC;

- Os partidos beneficiam ainda de isenção dos seguintes impostos:

a) Imposto do Selo (IS);

b) Imposto sobre Sucessões e Doações;

c) Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, pela aquisição de imóveis destinados à sua actividade própria e pelas transmissões resultantes de fusão ou cisão (IMT);

d) Imposto Municipal sobre Imóveis, sobre o valor tributável dos imóveis ou de parte de imóveis de sua propriedade e destinados à sua actividade (IMI);

e) Demais impostos sobre o património previstos no n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa;

f) Imposto Automóvel nos veículos que adquiram para a sua actividade (IA);

g) Imposto sobre o Valor Acrescentado, não só na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte, sendo a isenção efectivada através do exercício do direito à restituição do imposto, como também nas transmissões de bens e serviços em iniciativas especiais de angariação de fundos em seu proveito exclusivo, desde que esta isenção não provoque distorções de concorrência (IVA);

h) Isenção do pagamento de taxas de justiça e de custas judiciais.

Por outro lado, como o legislador é quem mais ordena (e o povo que se aguente nas “canetas”), chega-se ao cúmulo do absurdo de a lei considerar extintos os movimentos independentes logo após as eleições! Ora, como felizmente são cada vez mais os autarcas eleitos pela cidadania, a verdade é que, na prática, todos estes milhares de autarcas eleitos pelos movimentos independentes por esse país fora é como se ficassem órfãos de pai e mãe, sem uma entidade legítima que lhes dê o devido enquadramento. Então pergunta-se: os autarcas independentes estão nos órgãos autárquicos afinal a representar quem? Claro que estão a representar os eleitores, mas sob a orientação de quem? Serão os movimentos independentes uma espécie de “barriga de aluguer” que, depois de parir, são eliminados como produtos descartáveis?

Neste quadro absolutamente aterrador, que espelha o medo dos partidos face ao crescimento que os movimentos independentes estão a ter na sociedade portuguesa, resta-nos fazer um apelo à cidadania, para que estas diferenças se esbatam cada vez mais e os grupos organizados de cidadãos possam concorrer em pé de igualdade com os partidos na luta pelo bem-estar da sociedade. Por que razão terá de ser assim? Porque a democracia não pode ser unicamente representada pelos partidos nem um exclusivo desses mesmos partidos, mas antes uma dinâmica natural que brota da liberdade e da vontade consciente das pessoas.

João Pereira
Vice-presidente do MOVE

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