Falha humana
O texto que se segue foi publicado na Edição de 14 de Fevereiro de 2014 do Jornal Notícias de Ourém, o qual constitui a sequência de textos que irão sendo ali publicados e aqui transcritos na íntegra.
"Coluna do Meio
Falha humana
Esta é uma história de
ficção. Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência! Imaginemos
o emblemático avião “Jumbo” (Boeing 747) a dez mil metros de altitude, na sua
velocidade de cruzeiro a caminho da América do Sul e a sobrevoar o atlântico.
Os seus potentes quatro motores e o piloto automático garantem uma viagem
cómoda e confortável aos passageiros, contribuindo para uma viagem calma e sem
sobressaltos de maior. Apenas pequenas turbulências sacodem o jacto de vez em
quando, fazendo-o desviar-se ligeiramente da rota pré-definida, mas nada que um
747 não consiga debelar facilmente. Por fim, o avião aterra no Aeroporto
Internacional de São Paulo, em Guarulhos, são e salvo, com os passageiros a
recordar a maravilhosa experiência por que acabaram de passar.
Tal como neste avião,
também os países possuem quatro motores essenciais que, quando combinados e
compensados, impulsionam a sua economia, garantem o seu crescimento e a tornam
sustentável no longo prazo. São eles: o consumo interno, a despesa pública, o
investimento privado e as exportações.
Imaginemos agora que o
tal avião é, na verdade, um país, e esse país se chama Portugal. Para se manter
numa altitude de dez mil metros e a uma velocidade de cruzeiro – que torne a
viagem agradável aos dez milhões de passageiros que nele embarcaram –, é
necessário que os seus quatro motores desempenhem eficientemente o papel para
que foram concebidos: levar Portugal de um ponto de partida para um ponto de chegada,
com base num plano de voo milimetricamente concebido para o efeito, sem o qual
muito dificilmente a rota do avião poderá ser mantida ao longo do percurso.
Para isso, necessita dos seus quatro motores a funcionar, sem os quais o avião
tem mais dificuldades em enfrentar as turbulências e as adversidades que vai
encontrando pelo caminho, tornando, deste modo, a viagem mais instável e
atribulada para os passageiros.
Mas, a dado momento
desta viagem transatlântica, alguns dos passageiros apercebem-se que os motores
do consumo interno e do investimento privado ficaram anémicos e pegaram fogo,
ficando a tal ponto inutilizados que o comandante do avião não tem outra
alternativa senão desligá-los. Pouco tempo depois, é a vez do motor da despesa
pública começar também a falhar, obrigando o comandante, uma vez mais, a seguir
as normas de segurança e a desligá-lo. Após uma análise minuciosa ao modo de
funcionamento técnico do aparelho, a tripulação conclui que teria havido uma
fortíssima obstrução das válvulas que conduzem o combustível aos motores, pelo
que enfrentam agora a pior adversidade que jamais um piloto pode enfrentar: pilotar
uma enorme aeronave apenas com um motor – o das exportações –, e, mesmo este, a
apresentar falhas estruturais extremamente perigosas. O avião, apenas com um
motor a funcionar, acabou, infelizmente, por se despenhar e jaz no fundo do
oceano.
Dado tratar-se de um
avião de fabrico norte-americano, as investigações às causas do acidente
ficaram a cargo da NTSB (National Transportation Safety Board), que é a agência
americana que investiga os acidentes aéreos. Dois anos após o trágico acidente,
a NTSB escreveu no seu relatório: “falha irreversível de três dos quatro
motores da aeronave, devido a obstrução permanente das válvulas que permitem o
acesso do combustível aos motores. A deficiência do funcionamento destas
válvulas ficou a dever-se a um erro dos construtores do aparelho, pelo que se
atribui como causa directa para o acidente a falha humana”.
No fundo do oceano,
jazem os restos mortais dos dez milhões de passageiros, cujas famílias nunca
receberam até hoje uma indemnização e um pedido formal de desculpas…".
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