Sobre Sócrates, apenas me ocorre dizer que me cruzei com ele
uma única vez, curiosamente em Ourém, aquando da sua vinda para apadrinhar, se
a memória não me atraiçoa, um jantar do 25 de Abril, que decorreu na Quinta de
Alcaidaria-Mor, corria o ano (mais uma vez presumo) de 2004.
E digo 2004, porque o até então cidadão Pinto de Sousa, ex-ministro
de Guterres, já trilhava o caminho para assumir a liderança do partido
socialista e apresentar-se como candidato do PS nas próximas eleições legislativas,
que foram, como todos sabemos, antecipadas para 2005, e que venceu com maioria
absoluta, graças ao célebre discurso da “tanga” de Durão Barroso e à sua
saída ardilosa para a comissão europeia, borrifando-se para o país e olhando
apenas para o seu umbigo, procurando novas experiências, a que se somou
o rocambolesco e efémero governo de Santana Lopes, que foi o que se sabe, e que
originou a bomba atómica lançada pelo então Presidente da República, Jorge
Sampaio, deitando abaixo o governo.
Nesse jantar, deu-se também a coincidência de o cidadão
Pinto de Sousa ter estacionado o seu Peugeot 607, cinza escuro, lado a lado com
o nosso carro, e, no final da efeméride, já a noite era breu, quando nos
dirigíamos para o carro, termos dado de frente com a dita figura, que também
abandonava o local à mesma hora, e de nos termos metido com ele, questionando-o
com algo do género: “Então engº, é você que vai ser o próximo
primeiro-ministro?”. Ele, respondeu em tom lacónico que estava ali para
participar num jantar alusivo ao 25 de Abril, acabando por esboçar apenas um sorriso
esquivo, despedindo-se e ido embora de seguida.
Como vêem, nada mais sei sobre Sócrates para além disto.
Isto não significa, porém, que não tenha uma opinião
formulada sobre o homem. De qualquer modo, e até por imperativos de formação, nunca
deixo de dar o benefício da dúvida a quem quer que seja, até mesmo ao cidadão
Pinto de Sousa, ou pôr em causa o princípio da presunção de inocência.
De qualquer modo, o “caso” Sócrates suscita-me, pelo menos,
duas análises.
a) Por um lado, temos a questão da oportunidade ou do
momento “escolhido” para criar todo este imenso alarido e show-off no país.
Convenhamos que, a escassos meses das eleições legislativas
e com o governo a arder em lume brando, é demasiadamente evidente a
coincidência que há entre a detenção de Sócrates e o processo eleitoral que se
avizinha. Ou seja, o timing político é perfeito.
E também não é coincidência o facto de o “caso” Sócrates
ir, inevitavelmente, colocar em segundo plano processos como os do BES, dos Vistos
Gold e afins, cujas probabilidades de caírem paulatinamente no esquecimento são
enormes, e que se revela bastante conveniente para, nestes casos, se “branquear”
o que tiver que ser “branqueado”. Ora bem, “keep
calm, estamos em Portugal”!
Depois, também não será certamente coincidência o facto
de já existir uma tentativa da parte da Coligação PSD/CDS de colar o actual líder
do PS a José Sócrates, o que aconteceu, como todos nós nos recordamos, ainda
antes de este ter sido detido no Aeroporto de Lisboa e do acontecimento, para
gáudio de muitos, ter sido quase, senão mesmo transmitido em directo pelas televisões, numa
maratona informativa, do tipo daquelas a que estamos habituados, com a devassa
completa da vida privada das pessoas, do seu direito à presunção de inocência,
com a massacrante repetição das mesmas notícias, ou seja, tal qual o pão para
encher chouriços.
b) Por outro lado, questão bem diferente é o caso
propriamente dito, isto é, a descoberta da verdade em relação aos crimes de que
o agora ilustre cidadão Pinto de Sousa vem sendo indiciado, recorde-se: corrupção,
branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Sobre estes, manda a especial prudência aguardar serenamente
pelos ulteriores trâmites do processo, respeitar o tempo da justiça e deixar os
tribunais cumprirem a sua função.
Mas, se me perguntam o que acho disto tudo, confesso que sou
tentado a dizer que continuo a achar demasiadas coincidências nesta história
toda. E conhecendo eu um pouco como funciona a política em Portugal, ou melhor,
como funciona alguma classe política, com certeza não seria pelo cidadão Pinto
de Sousa que colocaria as mãos no lume.
E depois há aquela velha questão – tantas vezes aqui
repetida – da promiscuidade vergonhosa e impune que existe entre o poder económico e o
poder político em Portugal, e em que, quando vem à tona casos como o de
Sócrates, envolvendo políticos ou ex-políticos, quase sempre anda lá pelo meio uma
empresa ligada ao sector da construção, que funciona como uma espécie de “entreposto
comercial” e/ou “agência de recrutamento”. Quem não se lembra do bonacheirão
Ferreira do Amaral e da sua maravilhosa incursão pelo mundo empresarial (Lusoponte) depois de deixar o governo,
ou do sempre pragmático e prestativo Jorge Coelho, talhado à medida da Mota-Engil, ou ainda dos
casos daqueles ex-presidentes de câmara que transitam, temporária ou
definitivamente, após o cumprimento dos respectivos mandatos autárquicos, para
empresas ligadas, mais uma vez, ao sector da construção. E temos exemplos aqui
tão perto…
De facto – e para finalizar –, se me perguntam o que
continuo a achar disto tudo, posso dizer-vos: se Sócrates é efectivamente culpado,
então que seja punido pela justiça, ele e todos os envolvidos sem excepção, mas
repito, punido pela justiça, de forma exemplar, para que possa servir de
exemplo para todos.
Se isso irá ajudar na credibilização da política e dos
políticos? Bem, em relação a esta matéria, continuo a ter as minhas dúvidas, pois a idade já não me deixa
ser ingénuo a esse ponto. E Sócrates pode ser tudo, menos ingénuo.