domingo, setembro 06, 2020

POLUIÇÃO DA RIBEIRA DE SEIÇA: O voo da Garça




São duros os calcários onde nasce, finos os solos das suas margens e frescas as águas do Agroal, onde desagua na margem direita do Nabão.
Escrever sobre a Ribeira de Seiça é falar da sua nascente na Fonte da Pena, Moita Redonda, de todo o vale torrencial de Alvega, da ribeira das Silveira, que contorna o sopé do lindo Castelo de Ourém e que se junta com a Ribeira de Alvega imediatamente a jusante da capela de São Sebastião, deixando-a ente os seus braços!
Daí seguem juntas rumo a Ourém, tornando-se uma ribeira de água permanente, com margens agrícolas apelativas e férteis, acolhendo quintas e povoados. Recebe a drenagem das encostas do Vilar, Valada, Alburitel. Passa por Seiça, localidade que lhe dá nome, perdendo-o assim que é atravessada pela linha férrea e o limite do concelho para passar a chama-se Ribeira da Sabacheira e a percorrer o Concelho de Tomar.
Os matos mediterrâneos nos calcários da serra ao longo da Fátima e da Atouguia dão lugar a uma galeria ripícola de choupos, freixos, salgueiros e amieiros, no vale de solos férteis, é frequente a presença de plátanos trazidos por donos de quintas algumas com brasão.
Tenho tido o privilégio de passar algum do meu tempo nas suas margens na zona de Seiça.
Animada pela presença da beleza azul e laranja do guarda-rios, que voa sobe a ribeira e olha diretamente o leito. O esquilo, que quando há nozes, não se esconde na sua tarefa de as recolher. Os Corvos, as rolas, e a outra passarada vão cantando conforme o sentir do dia, as cigarras refrescam-se com música e se o calor for muito a música pode ser ensurdecedora...
A águia voa por ali, de vez em quando.
Mas a magia manifeste-se no seu auge, ao fim da tarde, quando a luz fica dourada sobre as folhas das árvores altas e a garça cinzenta, passa no seu voo real, ao silêncio e quietude do seu voo, o ar fica cheio de paz. Também eu me silêncio totalmente...só o olhar acompanha o ritual do seu mergulho majestoso para apanhar a sua lampreia dos riachos, ou outro peixinho, e suavemente janta, retirando-se para o reino misterioso das aves mágicas. Inspiro, volto para casa sabendo que tudo está bem.
Mas este Agosto começou num sábado, triste... Os peixes que na sexta sobreviveram à Garça, estavam mortos no rio, as lampreias e os ruívacos mortos, a água tinha um cheiro diferente, procurei por vida em forma de peixes, mas só encontrei os lagostins, desde aí não voltei a ver mais nenhum peixe morto, mas também não voltei a ver vivos...
E a Garça só a vi mais uma vez, talvez tenha vindo matar saudades e dizer que pesca num outro lugar.
A lampreia dos riachos, Lampetra planeri, é uma espécie em risco, na Península Ibérica apenas são conhecidas duas populações: na ribeira de Seiça e no Rio Olabidea em Navarra!
O que se passou, não sei ao certo, houve certamente uma fonte de poluição aguda, sei que é preciso estarmos todos atentos...
Pode ter sido uma descarga de uma fábrica, uma lavagem de alguma coisa no rio com produtos altamente poluentes.
A ETAR de Seiça, situada a jusante daqui já no concelho de Tomar, tem sido uma fonte grande de poluição desta ribeira e do Nabão, esta ETAR serve a população do nosso Concelho!
Quando empobrecendo um ecossistema, todos ficamos mais pobres. Já deixamos uma pegada ecológica tão pesada, na nossa forma de vida, que este tipo de crimes é inaceitável.
Se não deixarmos peixes nos rios, os nossos filhos não saberão pescar... e a Garça no seu voo de paz, onde está?

Anabela Henriques Pereira
Apoiante do MOVE

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